“Como vou tirar foto desse jeito? Antes, preciso ir ao ‘salon’ fazer a maquiagem”, são essas as palavras de seu Lírio Folcchini, 97 anos, ao saber que seria entrevistado para esta matéria. Para “não queimar o filme da máquina”, como ele mesmo diz, vai ao banheiro se arrumar e volta dez minutos depois. Preocupado com a aparência, deixou os cabelos grisalhos levemente molhados e escovados para trás. Também trocou a camisa que vestia e calçou sandálias. A casa do ferreiro fica na comunidade de Santo Antonio de Azambuja, no interior de Urussanga. A única estrada que chega até lá é de chão batido, estreita e com muitos buracos. Durante o percurso, é comum dividi-la com tobatas, carros-de-boi e tratores. Porém, dificilmente um automóvel trafega pelo local.
Ainda na infância, seu Lírio teve que encarar grandes dificuldades e superá-las. Em busca de uma oportunidade de emprego, seu pai foi para o Rio Grande do Sul. Lá, começou a trabalhar na estrada de ferro e, de tempos em tempos, vinha visitar a família. Porém, as vindas foram se tornando cada vez mais escassas e acabou abandonando a esposa e os quatro filhos. Sem opção, a mãe foi a responsável pelo sustento das crianças. Trabalhava na “lavora” com os três menores e deixava seu Lírio, na época com sete anos, responsável pelas tarefas domésticas. Ele preparava o almoço e limpava toda a casa. “Isso tudo serviu para eu aprender que devia ajudar minha mãe o quanto podia. Eu dizia para ela que quando fosse adulto, teria uma profissão e ela teria orgulho de me ter como filho”, comenta.
Aos 14 anos, começou a trabalhar na ferraria do senhor Carlos Spillere. Com o sotaque italiano, herdado dos avós que chegaram ao Brasil em 1890, ele fala que se dedicou muito para aprender a atividade. Por este motivo, aos 17 anos já era considerado um profissional da área. A partir daí, nunca mais parou de moldar ferro. Especializou-se na confecção de machado, enxada, “facon”, foice, pá, picareta, além de reparar equipamentos agrícolas, como arados e carpideiras. Comprou a própria ferraria em 1948 e até hoje a mantém em funcionamento. Na época, toda a produção era vendida para a região carbonífera, que estava em franco desenvolvimento. O ferro era adquirido na estrada de ferro Dona Tereza Cristina e na cidade de Laguna.
Apesar de todas as conquistas profissionais, seu Lírio não teve uma vida fácil. Além de ter sido abandonado pelo pai na infância, foi chamado para defender o Brasil na Segunda Guerra Mundial. Sem escolha, deixou a família e a noiva em Urussanga. “Fiquei lá por quase dois anos. Foi tudo muito triste, parecia que nunca ia acabar. Um dos dias mais felizes da minha vida foi quando o capitão chegou e nos falou ‘Soldados, arrumem as coisas. A guerra acabou”, lembra com os olhos rasos de água e a voz trêmula. Voltou para a terra natal, se casou com a mulher que ainda o esperava e, com ela, teve um filho. Um ano e meio após o matrimônio, outra fatalidade: a esposa adoeceu e acabou falecendo. Assim, a tarefa de cuidar do bebê ficou para seu Lírio. Anos depois, incentivado pela família, casou-se novamente. Com a segunda esposa conviveu 55 anos e teve mais oito filhos.
Atualmente, seu Lírio mora sozinho em um lindo lugar. A casa fica em um campo cercado por grandes montanhas. Nos fundos, corre um rio de águas claras. Além de trabalhar na ferraria, ele planta frutas e verduras, cria porcos e galinhas. Nunca fica parado! “Ficar sem trabalhar, para mim, é uma doença. Estou sempre me mexendo”, diz. Todos os dias, recebe visitas dos filhos, noras e netos, rotina que o deixa muito feliz. Dessa forma, o senhor de 97 anos percebe que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, conseguiu formar uma bela família e ser um profissional reconhecido. E, com certeza, a promessa que fez para a mãe há décadas foi cumprida. Isso por que ela deve ter sentido muito orgulho desse filho.
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