domingo, 4 de julho de 2010

Profissão 1: O confeccionador de cestos

Ao longo dos anos, profissões aparecem e desaparecem de acordo com as necessidades. Enquanto a tecnologia caminha “a passos largos”, os valores culturais das atividades mais simples são deixados de lado. Podemos perceber isso na história do confeccionador de cestos, Doralino de Nez. Aos 72 anos, o urussanguense de cabelos grisalhos fala com orgulho do trabalho artesanal que aprendeu com o avô. As marcas do tempo impressas na pele transparecem sua experiência e sabedoria. Durante décadas, ele trançou cipós e taquaras para a confecção de balaios e derlas, o que justifica as mãos calejadas. Animado com a visita, improvisa uma mostra. Reúne os utensílios que ainda guarda. Alguns balaios estão cheios de amendoins, outros cheios de batatas.

A tradição veio da Itália há mais de 100 anos. Como os avós de Doralino trabalhavam com engenho de farinha, precisavam de cestos para auxiliar na colheita da mandioca. Sendo assim, colocaram em prática o conhecimento que possuíam para confeccionar utensílios com taquara. O tempo passou... A atividade foi mantida e apresentada ao pequeno Doralino. O menino mantinha os olhos fixos no avô que cortava a taquara em filetes. Também passou a observar a delicadeza com que esses filetes eram trançados. A admiração pelo trabalho da família motivou Doralino a aprender. Ainda hoje, ele diz que essa atividade é artesanal e, portanto, requer sensibilidade e bom gosto.

Como de costume, Doralino caminhava “mata a dentro” em busca de cipós e taquaras. No caso do balaio, o cipó ideal é o de São João que floresce somente a cada sete anos. Ele é secado no sol e trançado para fazer o fundo e as bordas. Já as laterais são feitas com filetes de taquara. Para facilitar ainda mais a colheita de tubérculos e cereais, foi criado um cesto semelhante ao balaio, onde foram acrescentadas duas alças. Esse ficou conhecido como derla. Bastava colocá-lo nas costas e estocá-lo com milho, mandioca, batata... As alças do derla eram feitas com outro tipo de cipó: o cipó-pau. Esse é mais flexível e também era usado como corda para amarrar o gado.

Embora a confecção de cestos fosse a atividade predileta de Doralino, ele diz que atualmente se torna inviável. Comenta que, nos supermercados são encontrados recipientes plásticos de vários tamanhos e com preços acessíveis. Logo, pergunta: “Por que alguém compraria um balaio por R$60, se uma bacia de R$10 tem a mesma utilidade?”. Lamenta dizer isso, mas prefere encarar a realidade. Costumava confeccionar, em média, 70 cestos por ano. Hoje, essa meta para a venda é praticamente impossível em sua comunidade. Então, continua apenas trabalhando na roça: planta milho, amendoim e fumo. A diferença é que boa parte dos trabalhos que antigamente eram manuais, hoje são automatizados.

Ao olhar para trás, Doralino fica emocionado. A entrevista lhe estimulou a abrir as janelas da memória e, consequentemente, a ter sensações que estavam adormecidas há anos. Enquanto falava da confecção de cestos, lembrava com carinho dos pais e avós. Alguns momentos foram felizes, outros com dificuldade. Conta que, ao trabalhar na roça, levava um porongo cheio de café. O mesmo era tapado com um sabugo de milho e mantinha o calor da bebida. O fato dos anos terem passado, não é o bastante para que esqueça o aroma do café forte e quente que a mãe fazia. “Isso era o que aquecia e despertava os colonos nas manhãs frias de inverno. Daquelas em que as pastagens ficam brancas de geada”, acrescenta.


Um comentário:

Hippie Surl Jou disse...

Que história de vida linda. Que senhor simpático.
Aprecio a muito a simplicidade, pois é aí que encontramos o melhor da vida. Conseguimos absorver o que realmente faz sentido. As ditas pequenas coisas, que sou gigantescas e que marcam para sempre na essência do ser.

A ti Emanuel, meus parabéns pela percepção e e pela ação de colocar esse tipo de assunto aqui.

Beijinhos da amiga,
Manu.

Saudades de ti.

Postar um comentário