segunda-feira, 12 de julho de 2010

Fantásticas páginas sangrentas

Há quem duvide que os livros são portas de acesso a qualquer lugar deste ou de outro mundo. Provavelmente essas pessoas ainda não experimentaram a sensação de explorar o desconhecido através da leitura. Nesse caso, uma boa pedida é O nome da morte de Klester Cavalcanti. Além de passar uns dias às margens do Rio Tocantins, o leitor é convidado a acompanhar a história de Júlio Santana, o homem que matou 492 pessoas. Como nas grandes obras literárias, o autor utiliza os benefícios da descrição com maestria e, dessa forma, transmite alegria, tristeza, dúvidas e medo. Como negar que se ouve o disparo de espingarda na primeira morte? Como não compartilhar dos medos e receios de um assassino?

“Julão” tinha apenas 17 anos quando foi induzido pelo tio a se tornar um matador de aluguel. Aparentemente a “profissão” lhe oferecia um futuro melhor, ou ainda, um escape da comunidade pobre onde vivia. O remorso após a primeira morte teria impedido o jovem de trilhar esse caminho, se não fosse o refrigério que sentia após rezar dez “ave-marias” e vinte “pai-nossos”. Como bom conhecedor da vida na mata, também trabalhou guiando o Exército na captura de comunistas às margens do Rio Araguaia. Ver a maneira como as autoridades realizavam as torturas fez com que enxergasse a morte com naturalidade e sentisse prazer em ter nas mãos o poder sobre a vida do outro.

Em O nome da morte, o leitor coloca à prova seus conceitos sobre violência e duvida dos sentimentos pelo protagonista da história. Passa a enxergar os criminosos como pessoas comuns, dessas que têm um coração batendo no peito. É estimulado a uma reflexão profunda sobre a importância da educação na formação do ser humano e tem o privilégio de experimentar a ação transformadora que um bom livro oferece. Klester Cavalcanti utiliza um vocabulário atraente e, ao mesmo tempo, agradável de ler. Ingrediente já consagrado em sua obra anterior, Viúvas da terra, vencedora do Prêmio Jabuti em 1995.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Origem e Importância das Profissões

A importância de ter uma profissão surgiu a medida que o homem passou a viver em sociedade. A princípio, tratava-se apenas de uma preocupação em dividir as tarefas. Dessa forma, ao longo dos séculos, profissões apareceram e desapareceram de acordo com as necessidades. Segundo a psicóloga Maria Elci Spaccaquerch (2009), o desenvolvimento da sociedade ampliou as opções profissionais, mas o direito, a engenharia e a medicina continuam sendo as de maior prestígio. Ela diz ainda que muitos jovens acabam optando sem vontade por uma destas profissões pelo fato de ser valorizada pelos pais. Isto ocorre com frequência, ocultando talentos que poderiam ser desenvolvidos em outras áreas (SALSEIRO, 2010).

O bacharel em direito Jonas Mello Pinho, em entrevista pessoal, diz que a advocacia surgiu quando o homem percebeu que a vida em sociedade precisava de regras. Porém, essas regras deveriam nascer com base em princípios. Atualmente, um bacharel só se torna advogado prestando uma prova para a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. O exame é bastante complexo e existe um alto índice de reprovação.

Em relação aos engenheiros, o jornal Folha de São Paulo publicou em 21 de junho de 2008 que os primeiros chegaram ao país por volta de 1792. Eles tinham a missão de ensinar ciências, matemática e artilharia. Em dezembro de 2006, o Jornal do Engenheiro publicou uma matéria que abordava a importância dessa profissão. Um dos entrevistados foi o vice-reitor da Universidade Veiga de Almeida (UVA) do Rio de Janeiro, Luiz Chiganer. Segundo ele, se a engenharia não crescer, o país não desenvolve. O desenvolvimento está ligado à tecnologia e tecnologia é engenharia (FOLHA, 2010).

De acordo com o médico Wilson A. Ribeiro Júnior (2009), a Medicina levou milhares de anos para se constituir como ciência. Desde a Idade da Pedra, o homem procurava descobrir o motivo das diversas moléstias que lhe afligia e, para isso, utilizava plantas medicinais. No Egito Antigo, a doença era considerada uma punição divina. Em alguns casos, tratada com poções mágicas e rituais. Porém, foram os gregos que se destacaram ao estudar os sintomas das doenças. Seu mestre era Hipócrates, considerado o pai da Medicina. Como falado anteriormente, essa profissão continua sendo uma das mais admiradas. Afinal, existe algo mais belo do que salvar vidas? (WARJ, 2010).

Além do valor social dessas profissões, os jovens continuam optando por elas pelo rápido retorno financeiro. Porém, Spaccaquerch lembra que não basta o título. Um bom profissional depende de conhecimento, talento e está ligado à satisfação com o que faz. A pedagoga Francisca Socorro Araújo (2009), ressalta que o desenvolvimento tecnológico acelerado extinguirá muitas profissões, pois elas representam uma peculiaridade de cada momento histórico. Diante desta colocação, passamos a refletir sobre alguns profissionais que vêm resistindo ao tempo na cidade de Urussanga, sul de Santa Catarina. Entre eles, um velho ferreiro e uma simples senhora que conserta sombrinhas (INFOESCOLA, 2010).

Essas profissões mantêm viva uma parte da história da cidade. Em sua maioria, surgiram com as necessidades dos imigrantes e de seus descendentes. Grande parte destes trabalhadores são pessoas que já tem uma idade avançada. Estariam eles passando este legado a outros? Ou este modo de vida estaria condenado a desaparecer? Seria possível nunca mais ouvir os sons gerados por uma roda d’água feita manualmente? Ou ainda, viver em uma sociedade sem alfaiates? Enfim, nossa proposta é de se aventurar em um mundo de sons e cores feito por estes artistas tão especiais da Capital do Bom Vinho.
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domingo, 4 de julho de 2010

Profissão 1: O confeccionador de cestos

Ao longo dos anos, profissões aparecem e desaparecem de acordo com as necessidades. Enquanto a tecnologia caminha “a passos largos”, os valores culturais das atividades mais simples são deixados de lado. Podemos perceber isso na história do confeccionador de cestos, Doralino de Nez. Aos 72 anos, o urussanguense de cabelos grisalhos fala com orgulho do trabalho artesanal que aprendeu com o avô. As marcas do tempo impressas na pele transparecem sua experiência e sabedoria. Durante décadas, ele trançou cipós e taquaras para a confecção de balaios e derlas, o que justifica as mãos calejadas. Animado com a visita, improvisa uma mostra. Reúne os utensílios que ainda guarda. Alguns balaios estão cheios de amendoins, outros cheios de batatas.

A tradição veio da Itália há mais de 100 anos. Como os avós de Doralino trabalhavam com engenho de farinha, precisavam de cestos para auxiliar na colheita da mandioca. Sendo assim, colocaram em prática o conhecimento que possuíam para confeccionar utensílios com taquara. O tempo passou... A atividade foi mantida e apresentada ao pequeno Doralino. O menino mantinha os olhos fixos no avô que cortava a taquara em filetes. Também passou a observar a delicadeza com que esses filetes eram trançados. A admiração pelo trabalho da família motivou Doralino a aprender. Ainda hoje, ele diz que essa atividade é artesanal e, portanto, requer sensibilidade e bom gosto.

Como de costume, Doralino caminhava “mata a dentro” em busca de cipós e taquaras. No caso do balaio, o cipó ideal é o de São João que floresce somente a cada sete anos. Ele é secado no sol e trançado para fazer o fundo e as bordas. Já as laterais são feitas com filetes de taquara. Para facilitar ainda mais a colheita de tubérculos e cereais, foi criado um cesto semelhante ao balaio, onde foram acrescentadas duas alças. Esse ficou conhecido como derla. Bastava colocá-lo nas costas e estocá-lo com milho, mandioca, batata... As alças do derla eram feitas com outro tipo de cipó: o cipó-pau. Esse é mais flexível e também era usado como corda para amarrar o gado.

Embora a confecção de cestos fosse a atividade predileta de Doralino, ele diz que atualmente se torna inviável. Comenta que, nos supermercados são encontrados recipientes plásticos de vários tamanhos e com preços acessíveis. Logo, pergunta: “Por que alguém compraria um balaio por R$60, se uma bacia de R$10 tem a mesma utilidade?”. Lamenta dizer isso, mas prefere encarar a realidade. Costumava confeccionar, em média, 70 cestos por ano. Hoje, essa meta para a venda é praticamente impossível em sua comunidade. Então, continua apenas trabalhando na roça: planta milho, amendoim e fumo. A diferença é que boa parte dos trabalhos que antigamente eram manuais, hoje são automatizados.

Ao olhar para trás, Doralino fica emocionado. A entrevista lhe estimulou a abrir as janelas da memória e, consequentemente, a ter sensações que estavam adormecidas há anos. Enquanto falava da confecção de cestos, lembrava com carinho dos pais e avós. Alguns momentos foram felizes, outros com dificuldade. Conta que, ao trabalhar na roça, levava um porongo cheio de café. O mesmo era tapado com um sabugo de milho e mantinha o calor da bebida. O fato dos anos terem passado, não é o bastante para que esqueça o aroma do café forte e quente que a mãe fazia. “Isso era o que aquecia e despertava os colonos nas manhãs frias de inverno. Daquelas em que as pastagens ficam brancas de geada”, acrescenta.


Profissão 2: O ferreiro

Como vou tirar foto desse jeito? Antes, preciso ir ao ‘salon’ fazer a maquiagem”, são essas as palavras de seu Lírio Folcchini, 97 anos, ao saber que seria entrevistado para esta matéria. Para “não queimar o filme da máquina”, como ele mesmo diz, vai ao banheiro se arrumar e volta dez minutos depois. Preocupado com a aparência, deixou os cabelos grisalhos levemente molhados e escovados para trás. Também trocou a camisa que vestia e calçou sandálias. A casa do ferreiro fica na comunidade de Santo Antonio de Azambuja, no interior de Urussanga. A única estrada que chega até lá é de chão batido, estreita e com muitos buracos. Durante o percurso, é comum dividi-la com tobatas, carros-de-boi e tratores. Porém, dificilmente um automóvel trafega pelo local.

Ainda na infância, seu Lírio teve que encarar grandes dificuldades e superá-las. Em busca de uma oportunidade de emprego, seu pai foi para o Rio Grande do Sul. Lá, começou a trabalhar na estrada de ferro e, de tempos em tempos, vinha visitar a família. Porém, as vindas foram se tornando cada vez mais escassas e acabou abandonando a esposa e os quatro filhos. Sem opção, a mãe foi a responsável pelo sustento das crianças. Trabalhava na “lavora” com os três menores e deixava seu Lírio, na época com sete anos, responsável pelas tarefas domésticas. Ele preparava o almoço e limpava toda a casa. “Isso tudo serviu para eu aprender que devia ajudar minha mãe o quanto podia. Eu dizia para ela que quando fosse adulto, teria uma profissão e ela teria orgulho de me ter como filho”, comenta.

Aos 14 anos, começou a trabalhar na ferraria do senhor Carlos Spillere. Com o sotaque italiano, herdado dos avós que chegaram ao Brasil em 1890, ele fala que se dedicou muito para aprender a atividade. Por este motivo, aos 17 anos já era considerado um profissional da área. A partir daí, nunca mais parou de moldar ferro. Especializou-se na confecção de machado, enxada, “facon”, foice, pá, picareta, além de reparar equipamentos agrícolas, como arados e carpideiras. Comprou a própria ferraria em 1948 e até hoje a mantém em funcionamento. Na época, toda a produção era vendida para a região carbonífera, que estava em franco desenvolvimento. O ferro era adquirido na estrada de ferro Dona Tereza Cristina e na cidade de Laguna.

Apesar de todas as conquistas profissionais, seu Lírio não teve uma vida fácil. Além de ter sido abandonado pelo pai na infância, foi chamado para defender o Brasil na Segunda Guerra Mundial. Sem escolha, deixou a família e a noiva em Urussanga. “Fiquei lá por quase dois anos. Foi tudo muito triste, parecia que nunca ia acabar. Um dos dias mais felizes da minha vida foi quando o capitão chegou e nos falou ‘Soldados, arrumem as coisas. A guerra acabou”, lembra com os olhos rasos de água e a voz trêmula. Voltou para a terra natal, se casou com a mulher que ainda o esperava e, com ela, teve um filho. Um ano e meio após o matrimônio, outra fatalidade: a esposa adoeceu e acabou falecendo. Assim, a tarefa de cuidar do bebê ficou para seu Lírio. Anos depois, incentivado pela família, casou-se novamente. Com a segunda esposa conviveu 55 anos e teve mais oito filhos.

Atualmente, seu Lírio mora sozinho em um lindo lugar. A casa fica em um campo cercado por grandes montanhas. Nos fundos, corre um rio de águas claras. Além de trabalhar na ferraria, ele planta frutas e verduras, cria porcos e galinhas. Nunca fica parado! “Ficar sem trabalhar, para mim, é uma doença. Estou sempre me mexendo”, diz. Todos os dias, recebe visitas dos filhos, noras e netos, rotina que o deixa muito feliz. Dessa forma, o senhor de 97 anos percebe que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, conseguiu formar uma bela família e ser um profissional reconhecido. E, com certeza, a promessa que fez para a mãe há décadas foi cumprida. Isso por que ela deve ter sentido muito orgulho desse filho.

Profissão 3: O alfaiate

Desde cedo é possível ouvir o som inconstante da Vigarelli com mais de meio século de uso. A máquina de costura se tornou companheira de Pedro Paulo Magdalena há trinta anos e continua funcionando perfeitamente. Os intervalos do som que é música aos ouvidos do alfaiate, acontecem à medida que ele vai posicionando a peça de roupa para consertar. Em um dos pulsos, usa uma pulseira com um círculo almofadado onde são espetados alfinetes. O objeto é conhecido como relógio de alfaiate e auxilia no momento de tirar medidas. E falando em medidas... Em momento nenhum Magdalena se separa de uma fita métrica que acomoda no pescoço. Outros instrumentos que caracterizam esse ambiente de trabalho são dedais, régua, ferro de passar e giz de alfaiate.

Entre uma entretela e outra, Magdalena comenta que, embora seu pai trabalhasse na agricultura, incentivava os quatro filhos a aprender outras profissões. Para o agricultor, aquele era um trabalho difícil e que trazia pouco retorno financeiro. Como era cliente da antiga alfaiataria Confecções Piva, conhecia o alfaiate Antônio Halp que, certa vez, comentou sobre a necessidade de pessoas para trabalhar. Animado com a ideia, conversou com Magdalena sobre a oportunidade. Na época, Magdalena tinha 16 anos e cursava o ensino fundamental. Como o estabelecimento ficava a caminho da escola, o jovem começou faltar às aulas para aprender as atividades de um alfaiate.

No início, Magdalena apenas alinhavava entretelas e pregava bolsos nos paletós. Posteriormente, começou a fazer coletes e a cortar mangas. Com o passar dos anos, essas simples funções contribuíram para que seu talento fosse reconhecido e se tornasse sócio das confecções. Ele lembra que, durante o inverno, os pedidos eram tantos que começava a trabalhar às três horas da manhã. Logo em seguida, garante que o esforço valeu a pena, pois a sociedade durou mais de duas décadas. Só terminou porque o senhor Antônio Halp decidiu voltar para sua terra natal, Araranguá. Desde então, Magdalena trabalha em sua própria residência. Tem consciência que o espaço é pequeno, mas, ainda assim, aconchegante.

A todo tempo, o alfaiate demonstra estar preocupado com a organização do local: amontoa os papéis espalhados, repõe as gravatas no suporte, tira o pó do manequim e separa as camisas na prateleira de acordo com as cores. Para evitar um trabalho maior, o espaço do estabelecimento é marcado por uma cortina que separa o resto da casa. Também é impossível não observar as ilustrativas notas de R$100 que foram anexadas à antiga Vigarelli com fita adesiva. Para muitos, elas só revelam o quanto Magdalena é supersticioso, pois a crendice promete contribuir para o sucesso e prosperidade do trabalho. Porém, o profissional vai mais além. Segundo ele, a facilidade de encontrar roupas prontas tem tornado muito difícil a sobrevivência como alfaiate e, nesse caso, toda ajuda é bem-vinda.

Como a produção baixou, Magdalena sentiu necessidade de buscar outras atividades. Passou a trabalhar como radialista e presidente da APAE onde sua esposa é professora. Porém, o que realmente gosta é de ser alfaiate. Para ele, não há nada melhor que cortar calças, paletós e fazer reformas em geral. Tem orgulho desse trabalho e garante qualidade. Por outro lado, lembrar da grande quantidade de alfaiates que havia na cidade lhe aperta o coração, pois hoje é o único. Também não conhece uma pessoa se quer que gostasse de aprender. Mas, de qualquer forma, continua cuidadosamente cortando e recortando tecidos com uma tesoura de ferro que pesa quase 1 kg, presente do saudoso senhor Antônio Halp, a quem sempre será grato.

Profissão 4: O fabricante de rodas d'água

Os olhos azuis de seu Horácio parecem perdidos em um mundo de imagens e lembranças. Claros e brilhantes, deixam transparecer a alegria que o urussanguense sente em poder mostrar o que fez durante décadas. Aos 73 anos, ele reside no bairro Palmeira do Meio e sempre trabalhou com marcenaria. Porém, em dezembro de 2009, sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que, ainda hoje, o impede de exercer o ofício. Os movimentos das mãos foram comprometidos, assim como a fala. Ele tenta conversar, mas não consegue. Tenta articular uma frase, mas é em vão. De repente, seu rosto muda de expressão. Pode-se perceber o esboço de um sorriso que, misturado ao brilho do olhar, traz uma sensação de carinho e compaixão.

Seu Horácio trabalhou em marcenaria desde criança. Com ajuda dos pais e irmãos, fabricava grandes rodas d’água. Como na época não havia energia elétrica, essas rodas eram as responsáveis por mover os moinhos e as atafonas. Geralmente eram construídas próximo dos rios e, como facilitavam o trabalho, tornavam a produção mais rápida. Atualmente não são mais necessárias, o que dificulta encontrar alguém que as faça, mesmo em tamanho menor. Além das rodas, o urussanguense também trabalhava na produção de serras, pilões e outros utensílios para agricultores. Foi através dessas atividades que ele conseguiu sustentar a família, dando tudo quanto ela necessitava para viver bem e com dignidade. É casado com dona Adelaide há 48 anos e, mesmo com os problemas de saúde, parece ser feliz. Está sempre ladeado pela esposa e pelos quatro filhos e seis netos.

Quando se aposentou, há 6 anos, seu Horácio não se acomodou. Como gostava do que fazia, continuou produzindo peças em madeira. “Para não ficar parado, ele resolveu fazer estes objetos, mas em tamanho menor. Vendeu todas as ferramentas que tinha e comprou outras, especiais para a fabricação de miniaturas. Dessa forma, os clientes dele deixaram de ser os donos de serrarias e moinhos e passaram a ser aqueles que gostam de ver a casa ou sítio com uma peça de decoração diferente”, revela dona Adelaide.

Os instrumentos de trabalho se encontram no porão junto de algumas peças inacabadas. Um círculo de aproximadamente um metro de diâmetro fica em um dos cantos. Ele era a base de uma roda d’água que estava sendo fabricada. No mesmo espaço, tábuas e pedaços de madeira parecem estar à espera do profissional que, através de um movimento positivo com a cabeça, garante que ainda irá retornar à atividade. Ao lado, há outras ferramentas em um armário, quadrado e pequeno, preso à parede. Tudo no local foi feito de madeira pelas mãos de seu Horácio. As mesas, a serra-fita, a pica-pau, o pilão, o armário, a roda d’água...

Aos poucos, os movimentos das mãos estão sendo recuperados. No entanto, a fala continua comprometida. Mas não é isso que fará seu Horácio e dona Adelaide perderem a esperança. A mulher acredita piamente na recuperação do marido. Ele, por sua vez, demonstra confiança de que isso realmente vai acontecer. O progresso é lento, mas contínuo. Hoje, o marceneiro já não tem as mãos sujas da serragem. As roupas já não ficam manchadas de óleo e até os calos que possuía, desapareceram. Porém, mantém o mesmo brilho nos olhos e a mesma vontade de viver e trabalhar que tinha que tinha há anos.

Profissão 5: A tocadora de sinos

Terezinha Kamola Costa veio para Urussanga em 1959, quanto tinha apenas oito anos. A família da menina foi desestruturada após o falecimento da mãe. Sem saber o que fazer, seu pai chegou a dar os outros dois irmãos. Mas Kamola foi trazida pela avó que lhe acomodou no antigo orfanato Paraíso da Criança. Essa era a melhor opção para que fosse alimentada e tivesse acesso à educação. Na época, a instituição que foi fundada pelo Monsenhor Agenor Neves Marques, era dirigida por freiras e também funcionava como escola e creche. Quanto às crianças internatas, voltavam para a família assim que alguém assumisse a guarda com condições plenas para tal atitude.

No caso de Kamola, manteve o contato com a família somente enquanto a avó era viva, permanecendo no orfanato durante treze anos. Até que, em 1971, se casou com o mecânico José Lourival Costa, com quem tem três filhos. O fato de constituir família não a afastou do orfanato. Ao contrário, passou a ter um contato maior com as crianças e a ajudar nos eventos. Além disso, em 1978, as freiras deixaram a instituição, o que impossibilitou de continuar funcionando como escola e creche. Dessa forma, Kamola sentiu ainda mais necessidade de manter contato com a casa. Encarou as atividades no orfanato não apenas como seu trabalho, mas como uma forma de gratidão.

Como o Paraíso da Criança era uma instituição católica e que ficava perto da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, era comum que seus funcionários se envolvessem com funções religiosas. Os capelões Egídio Desan e Adão Bertió eram os responsáveis pelo toque dos sinos da capela. Porém, chegando a uma idade avançada, perceberam que deveriam ensinar a atividade para uma pessoa mais jovem. Kamola se prontificou a aprender. Desde então, toca diariamente um dos sinos às 6, 12 e 18 horas. Quando falece alguém da cidade, o sino principal é acompanhado por um menor que dá o efeito “repique”, resultando um som mais triste. Porém, em datas festivas, como o natal e a páscoa, conta com a ajuda de uma outra pessoa para que consiga tocar os quatro sinos, transmitindo alegria.

Com a mesma dedicação de trinta anos atrás, Kamola continua sendo a responsável pelo toque dos sinos. Para ela, a atividade consiste em uma forma de comunicação. Argumenta dizendo que, ao contrário de um anúncio no rádio, todos escutam os sinos. Logo, ficam alerta e tentam se informar a respeito do que aconteceu. Quando não tinha Corpo de Bombeiros na cidade, eram os sinos que mobilizavam a sociedade para socorrer pessoas e bens durante os incêndios. Também lembra que, segundo a tradição, o toque dos sinos serve para informar sobre a formação de grandes tempestades e, ao mesmo tempo, abençoar e proteger as pessoas.

Quanto ao antigo orfanato, atualmente é intitulado Casa Lar e acomoda apenas sete crianças. Como não poderia ser diferente, Kamola permanece lá. Diz sentir saudades da algazarra de mais de 45 meninas que moravam ali na sua infância. Ao contrário disso, observa o pátio deserto e o parquinho enferrujado. O limo nas lajotas e as paredes descascadas denunciam a carência do local. Ao invés de cantigas de roda, pode-se ouvir o som de alguns homens trabalhando no telhado para impedir as goteiras. Apesar dessas condições, as responsáveis pela Casa Lar tentam animar o local, de acordo com sua simplicidade. Prova disso é a decoração com fotos de crianças e anjinhos de gesso na parede do refeitório. Kamola diz ainda, que o número de crianças não importa. Ainda que tivesse apenas uma criança, a bondosa tocadora de sinos estaria ali para lhe oferecer assistência e carinho, da mesma maneira que recebeu.

Profissão 6: A reparadora de sombrinhas

Em uma residência localizada no bairro da Estação, parte central de Urussanga, Nália Gamba Ronconi passa o dia trabalhando, fazendo aquilo que tanto gosta. Com habilidade e rapidez, ela conserta sombrinhas, guarda-sóis e guarda-chuvas. A profissão, um tanto quanto diferente, atrai uma grande clientela para a casa de Nália. Encontrar o local é fácil. O ponto de referência é um bar, que fica ao lado. Pintada de azul marinho, parece uma daquelas casinhas desenhadas ainda na infância, com a base quadrada e a parte superior pontiaguda. Os vizinhos, sempre informados pela própria Nália, são os responsáveis por avisar os clientes quando a senhora não está na residência. “Foi passar o fim de semana na praia”, “Foi ao médico com a filha”, ou ainda, “Saiu e não sei a que horas volta”.

A urussanguense tem 69 anos e começou a reparar os objetos há duas décadas. Na época, ela e o esposo eram contratados para trabalhar na roça de fumo de um conhecido. Como as despesas de ir até a lavoura praticamente se igualavam aos lucros, Nália resolveu ficar em casa com os filhos e netos. Percebendo que as dificuldades financeiras só aumentavam, decidiu fazer algo para ajudar na renda familiar. Pegou uma sombrinha quebrada que tinha em casa e a arrumou. Levou quase um dia para terminar o serviço, mas gostou tanto do resultado que foi atrás de outros objetos para consertar. Aos poucos, os vizinhos começaram a trazer sombrinhas para Nália. A mulher ficava cada vez mais experiente no reparo. Descobriu, com o passar do tempo, que existem mais de 10 tipos de varões, e que eles podem ser de alumínio ou plástico. Além disso, dependendo o tamanho da sombrinha, o tecido que a recobre pode ser maior ou menor, da mesma forma o cabo.

Fui fazendo, olhando e arrumando. Aí, descobri que um objeto é diferente do outro. Tem que ser tudo medido com cuidado para depois não sobrar nem faltar pano”, relata a senhora. Desde que começou a trabalhar no conserto dos objetos, o pouco que rende o serviço ajuda na compra de mantimentos. Nália ganha R$2 reais a cada sombrinha pequena arrumada. Já a maior, que dá mais trabalho, lhe rende R$3 reais. Não importa o que foi feito no objeto, o valor sempre é o mesmo. Segundo ela, algumas chegam tão estragadas que, às vezes, a vontade que dá é de jogar do fora. Mas não é isso o que acontece. A mulher se concentra e começa o trabalho. “Tem algumas que os varões estão quebrados, é preciso mudar o tecido e o cabo. Tudo na mesma sombrinha”, diz ela. Nos períodos chuvosos, várias unidades chegam diariamente até às mãos da mulher. Quando o tempo está seco, no entanto, a demanda cai muito.

Além de trazer satisfação, o trabalho também ajuda na renda mensal e na entrada do baile dos idosos. Ir dançar no Centro Social Urbano, no mesmo bairro em que ela mora, é uma diversão, um incentivo ao bom humor que lhe é tão característico. “Ah, como eu gosto de um baile. Fico no salão até fechar a gaita”, declara Nália, com um contagiante sorriso.