quinta-feira, 29 de abril de 2010

Outra vez, Alice

Depois de construir uma identidade excêntrica com longas-metragens como O estranho mundo de Jack e A noiva cadáver, o renomado diretor Tim Burton aposta no exuberante e confuso mundo de Alice. A nova adaptação da obra de Lewis Carrol estreou nos cinemas brasileiros no último dia 23 e já bate recorde de bilheterias. É um dos primeiros filmes a ser lançado em três dimensões e possui uma identidade visual extremamente apurada. Ora, como admirador de outras produções de Burton, já tinha uma noção do que me aguardava: personagens totalmente fora do comum e cenários com proporções exageradas. Porém, apesar de conhecer os devaneios de Carrol desde a infância, esperava certo amadurecimento da história.

A primeira versão da Disney para Alice no país das maravilhas foi lançada em 1951 sendo alvo de críticas. Os admiradores da obra estranharam a reprodução com seqüências e personagens modificados. Além disso, embora possuísse as impressões digitais do próprio Walt Disney, foi seu primeiro longa-metragem de animação a ser veiculado em TV aberta. Então me pergunto, por que motivo a Disney apostou nessa história novamente? Ou ainda, por que tanta expectativa das platéias?

Sem dúvida, um dos diferenciais está no diretor. Todos vão às salas dos cinemas se perguntando “O que Burton aprontou dessa vez?” Outro ponto alto são os recursos visuais que vêm sendo superados, fazendo dos filmes verdadeiros espetáculos. Como poderia me esquecer de O senhor dos anéis, As crônicas de Nárnia, ou ainda, o recente Avatar? São exemplos de produções em que os efeitos especiais foram fundamentais. Porém, ainda assim, penso que não basta “encher” os olhos. O filme para ser bom deve tocar o coração. Em outras palavras, Burton ficou devendo um roteiro mais criativo, reflexivo e que despertasse o lado crítico de quem assiste.

Confira o clipe da canção Underground com Avril Lavigne:
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À espera de um milagre

Os pré-candidatos à presidência da república já disputam o apoio das igrejas evangélicas. Através de negociações com bispos e pastores, fazem com que haja comprometimento desses líderes durante a campanha. O atual governador do estado de São Paulo, José Serra (PSDB), está investindo na maior igreja evangélica do país, a Assembléia de Deus. Já, a ex-ministra da Casa Civil, Dilma Holsseff (PT), além de cortejar essa denominação, tenta aprofundar suas relações com a Igreja Universal do Reino de Deus. Enquanto isso, a senadora Marina Silva (PV), única evangélica na disputa, encontra dificuldades em receber apoio de seus próprios “irmãos”.

A partir da década de 90, o número de evangélicos começou a crescer de maneira desenfreada. Isso colaborou para a multiplicação de novas denominações. O objetivo principal era que cada um dos fiéis permanecesse na congregação que mais se aproximasse da sua interpretação bíblica, ou ainda, dos seus costumes. Eles deixaram de ser o foco do preconceito religioso e passaram a ocupar cargos notáveis na sociedade. Atualmente, os evangélicos representam 25% do número de eleitores, atraindo olhares de políticos sem o menor sentimento fraterno em relação a eles.

Nada mais comum que políticos telefonando e indo ao encontro do presidente da Convenção Geral da Assembléia de Deus, pastor José Wellington Bezerra da Costa. Afinal, ele tem influência sobre 10 milhões de fiéis. Outra estratégia é caprichar no discurso, focando crença e religião. Reservar momentos para visitar determinadas congregações, de preferência as com maior número de membros, também conta pontos. Porém, os pré-candidatos ainda não refletiram sobre o verdadeiro papel que as igrejas exercem sobre essas pessoas. Nesse caso, cabe aos evangélicos julgar se os púpitos dos templos estão à disposição para fazer campanhas políticas. Até então, todos sabem que o papel dos cultos é contribuir para o equilíbrio espiritual dos seus fiéis. Se perderem essa visão, lhes restará ficar à espera de um milagre.

O príncipe e a arte da guerra

Ao contrário de revistas e jornais que são produzidos em escala industrial para consumo rápido, os livros podem se manter atuais por muito mais tempo. É o que podemos perceber nas obras A arte da guerra de Sun Tzu e O príncipe de Maquiavel. A primeira teve sua versão conhecida no Ocidente em 1772, quando o Padre Amiot traduziu para o francês um texto que trazia as ideias de um filósofo-estrategista chamado Sun Tzu. Já, O Príncipe foi escrito em 1513 e publicado pela primeira vez em 1532. Apesar de antigos, trazem lições de planejamento e estratégias que são perfeitamente aplicáveis ainda hoje em empresas e organizações.

A arte da guerra foi escrito com intuito de preparar um comandante submisso ao príncipe e respeitado pelas tropas. Da mesma forma que o gerente de uma empresa é submisso ao empresário e respeitado pelos demais funcionários. O livro também adverte que, antes de atacar o inimigo, é necessário travar uma batalha consigo mesmo e com suas tropas. Nesse caso, antes de se preocupar em concorrer com outras empresas, o gerente deve conhecer a si próprio e às pessoas que trabalham consigo. Quando a empresa passar por essa fase de autoconhecimento, saberá aproveitar o talento e a capacidade de cada funcionário de maneira individual. “Conquistados por tuas virtudes e tuas capacidades, os oficiais colocados sob tuas ordens te servirão tanto por prazer quanto por dever”.

A partir daí, seguimos para um próximo passo. O comandante deverá tomar conhecimento do terreno no qual vai pisar. Ou melhor, deverá traçar o caminho que pretende seguir e identificar a localização do inimigo. Em outras palavras, devemos conhecer o ramo no qual estamos trabalhando, traçar metas e prestar atenção na reação da concorrência. O autor também ensina a “esconder o jogo”, não mostrar todo o potencial das tropas, de forma que elas possam surpreender seu adversário no momento certo. “Sem ser visto, vê; sem ser ouvido, ouve. Age em silêncio e tem em suas mãos o destino dos inimigos”.

Interessante que, enquanto Sun Tzu incentiva o comandante a manter sua palavra como questão de honra, Maquiavel diz que o príncipe não deve se preocupar em mantê-la. Para ele, “a experiência mostra que só nos nossos tempos fizeram grandes coisas aqueles príncipes que tiveram em pouca conta as promessas feitas e que, com astúcia, souberam transtornar as cabeças dos homens; e, por fim, superaram os que se fundaram na sua lealdade”. Por essas e outras questões que o autor é, muitas vezes, criticado e chamado de Maquiavélico. Por outro lado, devemos sempre levar em conta todo o contexto e não apenas frases isoladas.

Maquiavel também destaca a importância e o cuidado que um príncipe deve ter com suas finanças. Ele explica que o governante não deve levar a fama de gastador e jamais levar o povo à pobreza, cobrando muitos impostos para manter-se rico. Ressalta ainda, que é melhor um príncipe ser temido do que amado, mas não nega que há duas formas de vencer no seu governo: Com as leis ou com a força.

Enfim... Sun Tzu nos traz as táticas bélicas em linguagem simples e agradável, Maquiavel faz uma reflexão sobre as possíveis formas de governo com um vocabulário mais arcaico, o que contribui para uma leitura cansativa. De qualquer forma, ao lermos A arte da guerra, ou ainda, O príncipe, nos sentimos bombardeados com mensagens que têm forte ligação com o dia-a-dia. Porém, Sun Tzu lembra que “há um abismo entre a teoria e a prática” e, sendo assim, devemos ser sábios para utilizar esses conhecimentos também para estabelecer princípios particulares.

Pedalando em busca dos sonhos

Está amanhecendo. Aos poucos a claridade ultrapassa o tecido fino da cortina estampada. O silêncio que acompanhava o solitário tic-tac do despertador é quebrado com o latido dos cães em volta de casa. Então ela abre seu belo par de olhos verdes. Levanta com cuidado, pois não quer perturbar o sono das amigas com quem divide a casa. Ainda descalço, abre a porta da cozinha e caminha em direção à garagem.

Sentindo a brisa que resta da madrugada, recolhe do varal a toalha de banho que foi deixada no dia anterior. A água quente cai sobre os ombros, levando consigo todo o sono. Ainda no banho, observa na parte mais alta da parede, os primeiros raios de sol que ultrapassam o basculante. Então percebe que já passa das 7. Toda aquela tranqüilidade foi pelos ares. Já não importa se amigas dormem, passa o uniforme, limpa os calçados e toma o café da manhã, mesmo que de pé. O trabalho a espera e lá vai ela pedalando, pedalando...

Essa é Janaína Mengue Cardoso, natural de Torres – RS. Em 2007, deixou para trás sua cidade e seus pais para estudar Jornalismo na Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul, onde conseguiu bolsa integral. No momento, a jovem de 23 anos pedala para o laboratório de rádio e TV da mesma universidade, onde trabalha como assistente de edição. E falando em pedalar... Como se esquecer da bicicleta que ganhou de presente dos seus colegas de trabalho? Foi uma grande surpresa e, ao mesmo tempo, um refrigério, pois facilita sua locomoção. Enfim, o deadline está próximo, espero ter transmitido um pouco do perfil dessa menina que se aventura em busca de seus sonhos. Por outro lado, uma mulher que sabe expor suas ideias de maneira clara. Em breve estará retornando ao Rio Grande do Sul, onde pretende atuar nos jornais impressos.

*Atividade Proposta na Disciplina Redação 4 - Texto no Formato Perfil

domingo, 18 de abril de 2010

Simplesmente Gabriela

Apagaram as luzes, mas estávamos com sorte. A noite era clara e o brilho da lua formava uma espécie de penumbra que ultrapassava o basculante entreaberto da cela. Graças a essa meia-luz, conseguia identificar o contorno dos rostos de alguns amigos que, infelizmente, me faziam companhia. Não me pergunte como eram capazes de dormir em uma situação daquelas. Eu, particularmente, estava me consumindo ao tentar encontrar uma explicação para tudo o que aconteceu. Sentada no chão frio de concreto, refletia sobre uma forma de modificar aquela realidade. Sobre as pernas estendidas, acomodava a cabeça de meu amigo Adelcio e lhe acariciava os cabelos. (Gabriela da Silva – 1995)

Desarmei o guarda-chuva e apertei o número de qualquer apartamento no interfone. Uma senhora atende:
_ O que deseja?
_ Boa noite. Você poderia me informar qual o apartamento da Gabi?
_ Gabi? Não conheço, não. Ah! É uma morena?
E eu, que não a via por muito tempo, respondi duvidoso:
_ Sim, essa mesma.
_ Apartamento 103. _ informou a senhora.

Como se não bastassem os calafrios causados pela pouca experiência de um estudante de jornalismo, também tremia com frio naquela noite chuvosa de outono. Liberando a entrada, subi as escadas. Fui bem recebido com um aperto de mãos e um beijo no rosto. Em um dos lados do espaçoso sofá de couro branco, sentei de forma que ficasse de frente para minha entrevistada. Ela estava muito à vontade e me surpreendeu, pois era mais comunicativa do que eu imaginava. Enquanto falava, observava com cuidado seus movimentos. Apesar de ter as unhas pintadas, o tamanho das mãos foi uma das características masculinas que pude perceber na transexual.

Meu objetivo em seu apartamento? Repercutir um fato que ocorreu em meados da década de 90. Não tive acesso ao material veiculado pelo rádio nessa época, mas o jornalismo tradicional divulgaria, mais ou menos, dessa forma: Dois homossexuais foram surpreendidos pela polícia enquanto caminhavam na Avenida Marechal Theodoro na noite passada. As autoridades tomaram tal atitude, pois a comunidade já havia sido informada de que estava proibida a circulação de homossexuais naquele local. Concordo que o texto é claro e objetivo, mas existem muito mais informações nas entrelinhas do que parece.

Ao nascer, Gabriela foi registrada pelos pais com o nome Jesualdo da Silva. Cresceu ao lado de seis irmãos na cidade de Lauro Muller. Como qualquer criança, chorou, sorriu, sentiu medo, enfrentou, pulou corda, sonhou... Porém, havia um diferencial. Bastava rodar a vinheta do programa Cassino do Chacrinha que ela corria para frente da TV. Seus olhinhos brilhavam diante das Chacretes, modelos de perfeição. “Eu quero ser como elas. Eu preciso dançar como elas”. Desejos que ferviam no inocente coração de uma criança. Porém, o tempo se encarrega de nos dar lições. Gabriela percebeu que a vida não é feita só de danças. Segundo ela, para conquistar o respeito da sociedade, teve que estudar muito.

A entrevista prosseguia e, aos poucos, eu ficava com os olhos rasos de água. Não conseguia esconder a admiração por uma pessoa que, embora fosse colocada à margem da sociedade, conseguia ultrapassar seus limites. Já não enxergava somente a Gabriela transexual, mas sim, a Gabriela funcionária pública concursada que trabalha no Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA. Enfim, estava maravilhado com a sabedoria e convicção de suas palavras. Era o mínimo que eu poderia esperar de alguém com 25 anos de magistério, mas talvez não tivesse levado em conta essa informação.

A entrevistada sabia que o tema da reportagem era violência, mas curtiu falar sobre sua vida pessoal. Acreditava que, dessa forma, pudesse contextualizar os fatos. Para ela, ser detida pela polícia não consistiu em um ato de violência física, mas sim, moral. A violação dos direitos humanos e o abuso de autoridade foram as causas da agressão. “Você não quer só o direito de comer e beber. Você quer ser livre e o ato violento acontece quando isso lhe é negado”. Em alguns casos, a violência moral pode ser ainda mais dolorosa e duradoura que a violência física.

Apesar da avenida ainda movimentada,
ao longe podiam ouvir nossas risadas.
Depois de ficar uma semana toda a trabalhar,
nada melhor que um sábado à noite para sair e dançar.

Sob a imensidão do lindo céu azul marinho,
pontilhado de estrelas, lá íamos nós...
Para os ingênuos, duas santas,
Apesar da aparência atroz.

Gabriela lembra de quando os policiais pararam o carro. Estava junto do amigo Adelcio, também homossexual. Foram revistados e detidos sem apresentar resistência. Em seguida, levados para uma delegacia, onde receberam a informação de que estava proibida a circulação de “pessoas daquele tipo” na Avenida Marechal Theodoro. “Senhor, estávamos apenas caminhando até a danceteria”. _ argumentou Adelcio, mas foi ignorado. “Temos o direito de telefonar para algum familiar”. _ protestou Gabriela, mas não foi ouvida. Naquele mesmo local, havia uma repartição com grade de ferro. Foram encaminhados para lá, onde estavam outros homossexuais.

Gabriela diz que, o objetivo dos policiais era evitar a prostituição e o encontro de travestis, transexuais e gays que vinha acontecendo naquela avenida e causando constrangimento nos moradores. Reconhece que, alguns travestis com quem dividia a cela, foram detidos enquanto se prostituíam. Porém, o que mais restava para eles? “Muitos falam que a prostituição é opcional. Será mesmo? Muitas transexuais partem para essa atividade por que não são aceitas durante o dia. Por que não são vistas como seres humanos capazes de realizar qualquer outra função”.

Nesse momento, fiz uma pausa. Surgiu uma dúvida, mas pensei uma ou duas vezes se deveria pedir esclarecimento. Parecia ignorância de minha parte, mas aprendi na faculdade que “jornalista bom é jornalista burro”. Ou seja, aquele que pergunta, pergunta, pergunta... No meu vocabulário faltaram palavras para formular a questão. Então, quase gaguejando, escapuliu:
_ Qual a diferença entre travesti e transexual?
Para minha surpresa, minha entrevistada não ficou surpresa. Ao contrário, disse que é comum esse tipo de dúvida. Explicou que o travesti é aquele sujeito que se veste como homem no dia-a-dia e como mulher em determinadas ocasiões. Já, as transexuais, incorporam a feminilidade o tempo todo. Retomando o assunto...

Gabriela lembra que, enquanto estava na cela, amigos e familiares tentaram intervir na decisão dos policiais para libertá-la. Eles argumentavam dizendo que os dois detentos tinham saído para dançar e não “fazer programa”, mas não adiantou. Na época, a transexual já era professora e não sabia de que forma justificaria tudo aquilo ao retomar seu trabalho. Por outro lado, se sentia apenas uma das vítimas daquela “caça as bruxas”. Recorda que, nos momentos de tensão, passava um filme em sua cabeça. O elenco era formado pela menina Chacrete, pela professora, pela garota das festas, pela Gabriela e pelo Jesualdo. Ambos se fundiam em uma só pessoa que estava reduzida a cinzas.

Lascava uma unha contra a outra. Outras vezes, tirava o esmalte com o dedão na boca. A ansiedade não permitia que minha perna esquerda se aquietasse, ficava balançando o tempo todo. A única coisa que me confortava era saber que usaria todo aquele preconceito e discriminação a meu favor. A dor só fortalece a velha Fênix, que ressurge das cinzas para voar ainda mais alto. À medida que o dia clareava, rompendo a escuridão daquela cela, eu tinha mais certeza disso. De repente, ouvi passos de alguém que se aproximava. Meus ouvidos também estavam sensíveis para identificar o barulho de um molho de chaves. O policial abriu as grades e chamou um dos meus nomes:
_ Jesualdo da Silva!
Foi um momento de glória para mim. Por que eu sabia que a frieza daquelas paredes não poderia segurar o meu coração que queimava. Naquele momento, eu me erguia para ser ainda mais ousada, para ser uma professora ainda melhor, para me candidatar ao cargo de vereadora daquela cidade e, até mesmo, ser presidenta de uma Ong em defesa aos homossexuais. Eu ainda levantava, quando o policial gritou:
_ Jesualdo da Silva!
Sacudi a poeira de meus pés ao sair daquele lugar. Olhei para os olhos da autoridade e disse:
_ Poupe seu vocabulário, policial. Pode me chamar de, simplesmente... Gabriela.

* Esse texto é uma ficção jornalística. Ou seja, baseado em fatos reais.